Decidido a conhecer a
famosa Trilha do Ouro, antigo caminho de escoamento do ouro das
Minas Gerais do séc. XVII, peguei o ônibus em direção a Guaratinguetá, para
logo em seguida tomar outro com destino a São José do Barreiro, cidade-sede
do Parque Nacional da Serra Bocaina.
Peguei o ônibus tarde (cerca de
10h da manhã) em Sampa, o que me fez chegar em Guará 12h30, e então pegar o
ônibus para Barreiro as 14h30. Contatei o Sr. Pescocinho para fazer o
transporte até a portaria do parque, 27 km subindo a serra.
1º Dia
Logo que desci do ônibus, fui
abordado pelo Sr. Pescocinho perguntando se seria eu que subiria para o parque.
Respondi que sim, acertamos o preço e lá fomos nós. Subindo num Fusca caindo
aos pedaços, quase não acreditei que chegaria ao parque. Mas fomos subindo, subindo,
o Pescocinho falando sobre as curiosidades da Trilha, dos lugares da região,
parando vez ou outra pra mostrar alguma coisa. Tive até uma canja dele tocando
gaita, uma mão segurando a gaitinha, a outra segurando o volante...figuraça!
Cheguei à portaria por volta das
19h00, não tão frio como eu esperava, mas escuro o bastante pra fazer alguns
desistirem; assinei minha autorização e peguei a trilha. Escuro, minha lanterna
me guiava por aqueles caminhos. Isso até nascer uma das luas mais brilhantes
que eu já vi!Em alguns momentos eu andei com a lanterna apagada, somente com o
farol da lua sobre mim. Mágico!
Existe um desvio nesse primeiro
dia, que acaba encurtando o trajeto em 2 km. Acontece que acabei “passando”
desse desvio, o que me fez perder a Cachoeira de Santo Izidro, o que na verdade
eu já havia desistido de ver pelo horário. Continuei caminhando num ritmo
forte, já que meu objetivo seria montar acampamento na Cachoeira das Posses;
alcancei a cachoeira às 21:20 h, onde parei para fazer um lanche rápido. Pensei
em ficar por ali, mas estava disposto a seguir em frente, e estipulei parar às
23h00. Segui em frente, com a lua me iluminando sempre, morcegos às vezes me
circundando, sons de animais noturnos que normalmente não vemos ou ouvimos.
Quando cheguei a uma bifurcação onde havia duas placas, à esquerda “Trilha do
Ouro”, à direita “Pousada Vale dos Veados”, descobri um lugar perfeito para
montar a barraca e descansar. Eram 22h20, já tinha andado bastante, passado uma
hora além do meu objetivo inicial, e decidi ficar ali. Montei a barraca, sob o
luar ainda, mas comecei a notar uma mudança no clima, um forte vento começou a
soprar, anunciando nuvens. Deitei e dormi, pensando já no dia seguinte.
2º Dia
Acordei despertado pelo celular
ás 6h, já sentindo de vez que o tempo havia mesmo mudado. Saí da barraca, fiz
um café da manhã, e enquanto isso observava o céu: nublado, nuvens pesadas no
horizonte. E os primeiros pingos de chuva já me colocaram de prontidão.
Levantei acampamento rapidamente, e por voltas das 7h30 já tinha começado a
caminhar.
Sinceramente, se não fosse pela
chuva, acho que a trilha teria sido muito mais agradável. Visualmente
inclusive. A morraria, os selados, os picos da Bocaina, tudo começou a ser
encoberto pelas nuvens carregadas, que prejudicou essencialmente minhas fotos e
a condução da caminhada. Uma pena!
Caminhei durante cerca de duas
horas, com o tempo alternando entre chuviscos e estiagens. Logo alcancei a
Barreirinha, uma pousada que fica no meio da serra, cujo proprietário, que não
me recordo o nome agora, me recepcionou muito bem. Enchi meus cantis, parei pra
uma prosa onde fiquei sabendo da questão do parque insistir na retirada dos
moradores da unidade, algo que pessoalmente eu não considero correto. Opiniões
à parte, confirmei com o dono da Barreirinha quanto tempo faltava até a
Cachoeira dos Veados, minha próxima parada; até lá seriam mais 4 horas de
caminhada. Despedi-me, saquei uma foto e continuei a pernada, ciente que teria
que imprimir um bom ritmo naquele trecho.
Segui por caminhos que cortavam
muitas propriedades, e meu ombro começou a dar mostras que me daria trabalho.
Uma dor lancinante pulsava no meu ombro esquerdo, fazendo com que as paradas de
descanso fossem mais freqüentes do que eu gostaria. Foi numa dessas paradas que
a chuva apertou, e não parou mais. E assim foi até o fim da trilha.
Cheguei à Cachoeira dos Veados
por volta das 14h, sob forte chuva; montei acampamento rapidamente, segui a
trilha até a cachoeira e fiz algumas fotos (que sinceramente saíram muito
ruins, em função do mau tempo). A cachoeira é fabulosa, duas quedas lindas, que
seriam muito mais realçadas se houvesse um tempo limpo.
Voltei ao acampamento, troquei a
roupa molhada, e passei o resto do dia entre ler alguma coisa, planejar o dia
de amanhã e comer alguma coisa. Estava bem chato. A chuva não parava, ora
fraca, ora mais forte, e isso fez brotar em mim uma melancolia que nunca havia
sentido em trips anteriores. Decidi que acordaria às 4h, já que teria no mínimo
5 horas de caminhada sob forte chuva, pelo que eu previa. O ônibus em Mambucaba
sairia por volta do meio-dia, e eu não podia perdê-lo. Dormi às 22h, pedindo a
Deus uma única coisa: que quando eu acordasse, que tivesse uma estiagem. Quem
conhece, sabe: desmontar barraca sob chuva é um saco...(rs)
3º Dia
Parece que as minhas preces foram
atendidas: ás 4h00, assim que o celular me tirou de um sono restaurador, o céu
estava limpo! E havia ainda uma lua maravilhosa, me espiando desmontar a
barraca rapidamente e colocar tudo na mochila.
Foi só eu fechar a mochila e
colocá-la nas costas, e a chuva voltou. De lanterna na mão, me coloquei a
andar, com a dificuldade natural da chuva e da escuridão que me cercava.
Imprimi um ritmo forte, atravessei o Rio Mambucaba por uma pinguela, e tomei a
direita, sentido Angra dos Reis; pude ver, mesmo na penumbra da quase manhã, a
beleza bruta da Cachoeira dos Veados, numa vista que eu daria tudo para que
fosse mais clara. Quem sabe numa próxima vez...
A trilha estava pesada. Lama,
charco, chuva. E a escuridão. Eu andava forte, mas com cuidado. Estava tão
concentrado, que nem vi a hora passar. Dei-me conta que havia andado cerca de 1
hora quando a trilha voltou a ter o famoso calçamento “pé de moleque”, fruto do
trabalho dos escravos que fizeram boa parte da Trilha do Ouro para escoamento
oficial do metal para Portugal.
O Rio Mambucaba corre
sempre a direita, ás vezes eu o via, mas sempre o escutava. Cruzei um córrego
que corria forte, chamado córrego da Memória, que marca a divisa entre Barreiro
e Angra dos Reis. Estava em terras fluminenses!
A partir daí, a descida ficou bem
acentuada, e os tombos foram inevitáveis: que eu contei, foram 7, tirando os
escorregões, onde eu me segurava a qualquer vegetação a beira da trilha. Outra
coisa que me chamou a atenção foram as enormes voçorocas, erosões que quase
formam cânions; isso demonstra, para minha tristeza, o atual estado de
degradação da Trilha do Ouro. Em minha opinião, esse caminho
deveria ser fechado, para sua recuperação. Mas creio que seja difícil isso
acontecer.
O caminho aplaina, e cruzamos
alguns outros córregos, entre eles o Santo Antonio, até chegar a uma ponte
suspensa, que passa acima do rio Mambucaba. Esse ponto determina o fim da
trilha. Para chegar até a vila de Perequê, ainda tive de enfrentar 14 km de uma
estradinha bonita, mas chata. Em determinado momento, consegui carona com
alguns locais que iam de caminhão fazer um churrasco (!), e me livrei de 4 km
cansativos. Esse ponto do parque é bastante povoado, com várias casas, algumas
delas com todo jeito de casa de veraneio de algum bacana de Angra. Cheguei por
volta das 11h30 na vila, a tempo de comer alguma coisa, e pegar o ônibus para
Volta Redonda, onde ás 15h tomei um bus para Sampa, cansado, mas feliz por ter
finalizado uma das travessias mais clássicas do Brasil. A lamentar somente a
chuva, que diminuiu um pouco a exuberante beleza da Bocaina.
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